Provavelmente você já ouviu o termo “alimento ultraprocessado”, significa basicamente comida industrializada a base de muitas etapas de processamento, segundo o Ministério da Saúde os ingredientes e os métodos de processamento (dos ultraprocessados) alteram de modo desfavorável a composição nutricional, o que garante níveis astronômicos de produção, atendendo milhões de cliente que irão receber um alimento pouquíssimo natural e com quase nenhum ganho nutritivo.
Em uma ida ao supermercado você ficará rodeado desses itens, e os vendo todo dia não pude deixar de perceber algumas semelhanças com o que conhecemos como ar condicionado. Essa obra prima da engenharia moderna tem as mesmas características dos ultraprocessados, porem ao invés de alimentos o produto é o nosso conforto térmico.
Deixe-me explicar;
O ar condicionado, é um equipamento eletromecânico repleto de componentes sintéticos que em uma explicação simplificada, pode ser dividido em duas partes, a quente e a fria, a fria fica, normalmente, dentro do ambiente climatizado e a quente do lado externo. Sua operação consiste em absorver o calor interno que não queremos e despeja-lo do lado externo, ao mundo, como um vaso sanitário, mas sem a companhia de tratamento sanitário para minimizar o dano, ainda pior é saber que o calor que vai “descarga abaixo” não é o mesmo que foi retirado do ambiente, é na verdade maior, sempre maior.
Pare para pensar, você utiliza o ar condicionado porque está quente e utilizando-o você deixa o mundo ainda mais quente, o que fará você utiliza-lo mais. Prejudicando não só você, mas a todos. A termodinâmica explica esse efeito dentro de uma propriedade chamada entropia, ela mede a desordem de um sistema, é dito que “para baixar a entropia de um sistema, a entropia de outro sistema deve subir”, troque a palavra entropia por temperatura e tudo se encaixa.
Se não há remédio, remediado está, correto? Não tão rápido, a desordem não é necessariamente ruim, ao desajustar a umidade no ar, se faz chover. O mundo não é estático e a entropia é uma forma de explicar esse dinamismo, errado estamos nós por não balancearmos nossas relações conosco e com o meio ambiente.
A ditadura das janelas fechadas.
Pense mais um pouco, o ar condicionado como o conhecemos nasceu a pouco mais de 100 anos, como era feito antes? Egípcios, romanos, e os nossos avos, todos tinham e executavam muito bem a arte do conforto térmico.
As provas são fáceis de achar, visite Paraty (RJ), sinta a brisa que corre em suas ruas indo e vindo do mar ou em qualquer casarão de Minas Gerais ou interior de São Paulo, verá janelas amplas com boa ventilação natural.
Outro exemplo, talvez não tão turístico, mas muito relevante, os ônibus e prédios anteriores aos anos 00, era comum nesta época termos a opção de abrirmos uma janela, ou pelo menos, uma fresta, hoje não temos. Somos sardinhas em um aquário, à mercê da vontade de poucos que por economia, escolhem as menores taxas de renovação de ar que a norma exige. Não é o foco aqui, mas imaginem qual o efeito que os ambientes fechados e com pouca ventilação tiveram na pandemia da Covid, foi devastador.
O velho novo
Panela velha é que faz comida boa, bom nem sempre, mas tenho que admitir que metodologias antigas ainda podem dar um bom tempero. Os alemães aplicam, a séculos, o que ficou conhecido como “passivhaus house”, essas eram boas práticas para manter um ambiente confortável em casas populares, sim meu amigo, casas populares, climatizar casas comuns era mais rotineiro a 150 anos do que é agora.
Tem água aí em sua casa? Que bom, então é possível climatizar. Chama-se resfriamento evaporativo é um processo simples, tão simples quanto transpirar em dias quentes. O processo ocorre com base na evaporação da água que ao virar vapor, diminui a temperatura do ar. É assim que o corpo humano regula a temperatura, o suor evapora e a temperatura da pele cai. Simples e objetivo e que em climas secos pode significar uma redução de até 15°C.
Outra jogada de mestre, se não quer o calor, não o deixe entrar, superfícies escurecidas e opacas acumulam muito calor, superfícies brancas e polidas refletem, películas refletoras nos vidros também são boas medidas. Cidades como Mikonos ou Positano são bons exemplos.
Rebele-se, abra uma janela
Janelas podem ser um ato de rebeldia ou contravenção quando usadas para entrar ou sair, todo filme com uma briga de bar tem um sujeito voando por uma, amantes prestes a serem pegos escapam por ali, são usadas para espiar também. Pela janela não se avisa ao entrar, o que por ali passar, flui, é livre, talvez esse seja o medo dos que as fecham.
Há uma certificação chamada LEED, que visa sustentabilidade, nela há uma premissa chamada Triplo P, um desses P’s são de “pessoas” que diz “o usuário de um determinado sistema deve ter autonomia para manuseá-lo”, quem fechou sua janela o fez para limitar seu poder de escolha e sua autonomia, lhe trancafiou.
Aos inseguros digo, ainda há tempo, veja o estudo abaixo, o LAB EEE, afirma baseado em estudos, que é possível, no verão, no período da tarde (12h-18h) conseguir conforto térmico na cidade de São Paulo em 55% as vezes.
Estudos como este mostram que é possível diminuir a dosagem da climatização mecânica. Ela é útil sim, não a recrimino, mas deve ser usada como um antibiótico, na dosagem e prescrição correta, se não perde efeito e danifica o que estava tentando salvar.
Faça um teste
Pense no ar condicionado como o elemento mais alto de uma pirâmide, antes de alcança-lo, ou usá-lo na verdade, várias outras etapas devem ser cumpridas;
- Abra as janelas em vários cômodos, isso criará uma corrente cruzada, ventilação natural, simples e grátis;
- Adquira um climatizador evaporativo, com 1 litro de água e algumas pedras de gelo ele irá garantir conforto térmico por horas.
- Ventiladores de mesa também são uteis;
Se nada adiantar, talvez seja o caso de ligar o ar condicionado no período de maior calor.
Veja, não escrevo isto para parecer um eremita ou a própria Greta Thunberg, apenas gostaria de lembrar que o ar condicionado pode representar 30% da sua conta de luz, o dinheiro não gasto no ar condicionado pode significar aquele curso ou viagem que você gostaria de aproveitar, não gaste com ele, invista em você.
Está em tempo, não sejamos vítimas de nós mesmos.
Fernando Adam
27 de março de 2025